Inês Abrantes: “Através do exercício físico posso dizer que conheço cada detalhe do meu corpo”

O desporto sempre fez parte da vida de Inês Abrantes e continua a ser, ainda hoje, um dos seus refúgios. Praticou natação, modalidade na qual competiu até aos 15 anos, mas a exigência de oito treinos semanais levou-a a experimentar outras vertentes. Voltou-se para os desportos de combate e descobriu a base da sua motivação: o kickboxing.

Entrou em combates amadores e sagrou-se campeã nacional na época de 2013/2014. Mas, no ano seguinte, a vida trocou-lhe as voltas. Num curto espaço de dois anos, foram-lhe diagnosticadas três doenças autoimunes que vieram dar um rumo diferente à sua história. E que rumo!

Hoje, é uma fonte de motivação e inspiração para quem a segue e procura a sua ajuda para manter hábitos de vida mais saudáveis. Inês Abrantes está em entrevista na U-FIT e conta-nos, na primeira pessoa, a forma que encontrou para tirar proveito das suas capacidades e potenciar cada uma delas.

Gostávamos de começar esta entrevista por perguntar: como é que o desporto entrou na tua vida? Quando é que começaste a praticar desporto, em especial a modalidade de kicboxing?

O desporto foi sempre a minha vida. Desde que me lembro que existe Inês, existe desporto (risos). Os meus pais inscreveram-me na natação aos seis meses de idade e desde aí só larguei a modalidade aos 15 anos, já fazia competição e cerca de oito treinos por semana. Aos 15 anos decidi que a natação estava a exigir demasiado de mim e desisti desse percurso. Ainda estive uns meses num ginásio a fazer uns planos de treino que me passaram lá, mas como os desportos de combate sempre me fascinaram decidi, ainda com essa idade, inscrever-me no kickboxing.

Quando é que percebeste que querias competir profissionalmente nessa modalidade? O que é que te motivou a competir?

Profissionalmente eu nunca competi nesta modalidade, apenas fiz combates amadores. Na altura, quando me inscrevi, apenas havia mais uma rapariga (bastante mais velha que eu) e nas primeiras duas aulas achei, sinceramente, que aquela modalidade afinal não era para mim. Sentia-me num nível muito inferior a todas as pessoas que lá estavam a praticar (e na realidade estava). Se não fossem os quatro meses de fidelização que o clube exigia e a obrigar os meus pais a continuarem a pagar as mensalidades, acho que não tinha lá ficado (risos). Na altura era um pouco insegura de mim, apesar de gostar imenso de fazer coisas que me tirassem da zona de conforto. Mas ainda bem que assim foi, porque me fui ambientando super bem, tanto aos treinos como à equipa, e continuámos ainda todos juntos cerca de sete anos.

Chegaste a ser campeã nacional, na época de 2013/2014. Como é que foi para ti conquistar esta vitória? Voltarias a competir?

Para mim foi tipo unreal. Esse campeonato foi muito duro, na altura apurei-me no campeonato regional desse ano em 2º. Lugar, depois de um combate onde já sangrava das duas narinas e onde fiz umas pequenas fraturas, e sabia que ia voltar a ter de combater com a rapariga que me ganhou. E assim foi, mas no nacional fui com tudo o que tinha, consegui ganhar-lhe e depois conquistar também a final contra outra rapariga com quem adorei combater. Foi renhido até ao último segundo, mas quando o árbitro me deu a vitória nem queria acreditar que aquelas palmas eram para mim.

O que é que mais te motiva na modalidade de kickboxing? Que benefícios te proporciona?

Neste momento, o que mais me motiva nesta modalidade é poder ensinar outras pessoas a descobrirem capacidades físicas e psicológicas que desconheciam ter, através desta modalidade. Trabalho atualmente muito mais com mulheres e vejo-as evoluir de dia para dia, a ganhar mais confiança e poder. Isso é o que mais me motiva.

Atualmente, trabalhas como personal trainer e group trainer. Qual é a tua missão enquanto profissional na área do desporto? O que é que procuras transmitir às pessoas que procuram, de certa forma, a ajuda necessária para atingirem os seus objetivos?

A minha principal missão é, através do meu conhecimento, empoderar cada pessoa que me procura, através do exercício físico, do conhecimento e domínio do seu próprio corpo. Procuro sempre inspirá-las a terem hábitos de vida mais saudáveis e que, consequentemente, atinjam os seus objetivos, tanto estéticos como de saúde. Trabalho com casos muito especiais, como sobreviventes de cancro, grávidas, pessoas com diabetes e com condições autoimunes e é muito gratificante ver a mudança que o exercício físico provoca em cada uma destas vidas.

Onde e como é que as pessoas podem ter acesso aos teus treinos personalizados?

Neste momento sou freelancer, por isso para treinarem comigo basta entrarem em contacto através do meu perfil no Instagram ou do próprio site. Os treinos são dados presencialmente no ginásio The Studio em Lisboa, junto ao Marquês de Pombal. Não faço acompanhamento online.

No teu site e nas redes sociais, partilhas abertamente com os teus seguidores que te foram diagnosticadas três doenças autoimunes, num espaço de dois anos. Podemos conhecer que doenças são e de que forma alteraram (ou não) a tua vida, os teus hábitos e rotinas desportivas? Como é que foi a adaptação?

Esta pergunta dava para escrever aqui um ou dois cantos d’Os Lusíadas (risos), mas vou tentar ser breve. Sempre fui uma miúda hiper mega saudável, tinha análises de sangue excelentes e até raramente apanhava uma constipação. Em 2015, as coisas mudaram um pouco, comecei a perder muito peso repentinamente e a ter uma sede bastante excessiva. Em fevereiro desse ano fui mesmo internada com um diagnóstico inaugural de uma Diabetes Tipo 1, uma doença autoimune que fez com que o meu próprio corpo tivesse produzido anticorpos contra o meu pâncreas e, consequentemente, este deixou de produzir insulina, por isso hoje sou insulinodependente. Ainda nesse mês de fevereiro, descobri que tinha também a doença autoimune da tiroide, ou seja, também tenho anticorpos contra esta glândula que não produz as hormonas necessárias e, por isso, também tenho de as tomar.

Mais tarde, em 2017, descobri a terceira e, para mim, a mais impactante de todas. Descobri que tenho Artrite Reumatóide, daquelas tão severas que segundo os médicos passei por todas as terapêuticas possíveis e só com imunossupressores é que a “coisa foi lá”, isto depois de variadíssimos anti-inflamatórios, cortisona, imunomodeladores, etc. Posto isto, de que forma é que estas três condições alteraram a minha vida? De todas as formas possíveis, sinceramente. Principalmente a Artrite, porque todos os dias tenho queixas articulares e, com o tempo que demorei a encontrar a medicação certa, as minhas articulações foram-se degenerando e exercícios, como pranchas e flexões, não consigo fazer, pois perdi imensa mobilidade nos punhos. A diabetes também foi a razão pela qual eu deixei de fazer competição, porque depois de ter começado a injetar-me com insulina aumentei cerca de 10kg de peso e foi necessária uma grande adaptação, em termos psicológicos, para que tudo se regularizasse, precisei de tempo para mim e, sinceramente, não conseguia focar-me em mais nada. Este parágrafo já vai longo, mas gostava realmente de salientar que não considero nenhuma destas três condições como uma limitação absoluta para nada, é perfeitamente compatível com um desporto de competição (há quem o faça), se estiverem devidamente diagnosticados, tratados e medicados. Foi apenas uma decisão minha, na altura, ter deixado de competir.

Sentes que, ao partilhares essa parte da tua vida, podes ser uma fonte de inspiração para outras pessoas que possam estar a passar pelo mesmo? Ou simplesmente mostrares que nada impede de manter uma vida mais ativa e, consequentemente, melhor?

Ponderei muito antes de me expor publicamente desta maneira e precisei de estar preparada para perceber que nem eu nem ninguém tem que ter medo de partilhar o que está a sentir, nem as condições em que vive. Lembro-me de, ainda não há muito tempo, partilhei com todos os que me acompanham, através do Instagram que há dois anos que vivia com AR (Artrite Reumatóide). Tinha acabado de tentar treinar no ginásio e as dores eram tão fortes que acabei a chorar sozinha no nosso balneário de staff. Se eu realmente escrevi algo que naquele momento estava a sentir, porque não partilhar com quem diariamente me acarinha e que talvez até possa estar a passar por uma situação idêntica à minha? E a verdade é que percebi que há tanta gente nesta situação, tanta gente tão ou mais nova quanto eu, que acabaram por partilhar comigo os seus casos. Não só partilho o que sinto, por mim, porque quero realmente mostrar que, por mais dias horríveis que passemos, vem sempre a bonança a seguir, mas também porque tanto a diabetes como as doenças reumáticas são conhecidas por serem doenças que afetam pessoas de idade avançada e, no entanto, afetam muita gente jovem como eu. E não há que ter vergonha disso, muito pelo contrário, temos de as desmistificar.

Falando, em específico, da Diabetes Tipo 1, para quem não sabe, que cuidados são necessários ter no que toca à alimentação? E à prática desportiva?

No caso da Diabetes Tipo 1, os cuidados que temos de ter com a alimentação são exatamente os mesmos do que uma pessoa que não tenha Diabetes Tipo 1 e que se queira manter saudável, com a (enorme) diferença que, um Diabetes Tipo 1 tem de saber fazer contagem de hidratos de carbono, isto é, tem de saber quantas gramas de hidratos de carbono ingere e quanto é que isso equivale em unidades de insulina que tem de administrar. É o consumo de hidratos de carbono que afeta a subida da glicose no sangue, mas também não é saudável um ser humano viver sem consumir hidratos de carbono, portanto o truque para ter uma glicémia estável é este: a quantidade certa de insulina. Em relação ao exercício físico, é muito aconselhável o treino de força, porque pelo efeito pós-treino que provoca na glicémia conseguimos aumentar a sensibilidade à insulina (a pessoa necessita de menos quantidade).

Na descrição do teu site podemos ler que procuras empoderar cada vez mais pessoas através do exercício físico. É importante para ti, ajudar outras pessoas a manterem uma vida mais saudável e ativa? De que forma incentivas as pessoas a aumentarem a sua autoestima e a terem uma vida melhor?

É o mais importante para mim, sem dúvida. O maior incentivo que dou aos meus alunos é fazê-los olhar para o espelho e gostarem cada dia mais de se verem, olharem para fotografias antigas e não se reconhecerem, sabendo que estão melhores. É também fazê-los bater recordes pessoais em termos físicos e eles próprios notarem que têm uma resistência cardiorrespiratória muito maior do que naquele primeiro dia em que entraram no ginásio.

Podemos dizer que o desporto é o teu refúgio? O que é que o desporto desperta em ti?

Eu tenho alguns refúgios e sem dúvida o exercício físico é um deles. Adoro por os meus fones, ouvir músicas que me motivam e treinar sozinha. Através do exercício físico posso dizer que conheço cada detalhe do meu corpo, aprendi a tirar o melhor proveito das minhas capacidades e sei como potenciar cada uma delas. Isto é tudo muito bonito na teoria. (risos)

Qual é o teu principal objetivo profissionalmente? O que é que gostavas de fazer que ainda não tiveste oportunidade?

Gostava muito de ter o meu próprio ginásio.