Rui Bragança: “Estou mais ansioso que chegue a qualificação do que propriamente os Jogos Olímpicos”

Vice-campeão do mundo, Rui Bragança é um dos nomes mais destacados da modalidade de taekwondo em Portugal – e no mundo. Aos 29 anos, o atleta natural de Guimarães, que iniciou a sua carreira profissional ao 13, tem traçado um percurso de sucesso, levando as cores da bandeira nacional além-fronteiras. Foi o primeiro atleta português a vencer uma prova nos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, no Rio, chegando mesmo a liderar o topo do ranking mundial. Dois anos antes, em 2014, sagra-se campeão europeu – uma estreia para Portugal – numa incrível prova de superação.

Imagens retiradas da página de Facebook de Rui Bragança

A poucos meses do torneio de qualificação que garante a chegada aos Jogos Olímpicos, em Tóquio, encontrámo-nos com Rui Bragança num treino que antecedeu a sua partida para o Open da Turquia, que aconteceu no dia 3 de fevereiro, onde competiu na categoria dos -63kg, embora tenha sido eliminado. Restam, ainda, mais duas provas até à qualificação, agendada para os dias 18 e 19 de abril.

Confiante e tranquilo, falou-nos de passado e futuro, do desejo de conquistar Tóquio e de uma segunda paixão que acompanha o rumo da sua vida: a Medicina. Rui Bragança está em entrevista na U-FIT.

Estamos em contagem decrescente para os Jogos Olímpicos. Há ainda uma prova de qualificação, em abril, e nada está decidido, mas, se acontecer, o que é que representa para ti esta chegada a Tóquio?

Representa muita coisa. Enquanto que o outro ciclo olímpico foi mais “Vamos lá tentar o sonho”, este aqui é algo que eu já sei que é possível, por isso foi encarado de uma forma diferente. Como depois dos Jogos mudei de categoria, fui para Madrid, voltei…todas estas mudanças fizeram com que este ciclo olímpico ficasse apenas com dois anos e conseguir fazer todo este trabalho em tão pouco tempo é incrível. Estou mais ansioso que chegue a qualificação do que propriamente os Jogos Olímpicos, mas quero saborear a chegada até lá quero muito combater em Tóquio, mas estou relativamente calmo.

Há ainda muitas provas pelo caminho, que começam daqui a uns dias, mas a participação em Tóquio é o teu foco neste momento? Cada prova até lá terá outra responsabilidade?

Nas provas até lá pode falhar tudo. Lesões não dão muito jeito, pelo menos uma grave, mas, tirando isso, até é bom que as coisas falhem agora, para depois, no dia 18 de abril (dia da qualificação), correr tudo bem. Claro que é bom que as coisas corram bem e conseguir ser consistente até lá, mas também não me adianta ficar em primeiro nas próximas provas e depois chegar ao apuramento e perder no primeiro combate. As três próximas provas são de aprendizagem e de afinar pormenores, para chegar ao dia 18 de abril e garantir que corre tudo bem para depois a 25 de julho “partir tudo”.

Já percorreste um longo caminho que te trouxe cerca de 18 medalhas de ouro e diversas distinções, entre as quais um título de vice-campeão do mundo e também de campeão europeu, uma estreia em Portugal, chegando mesmo ao topo do ranking mundial. De que forma olhas para o teu percurso?

Sinceramente, o passado não me interessa muito. Eu já fui duas vezes campeão da europa (em 2014 e 2016) e cheguei a 2018 e fiquei em 5º. Tive um percurso gradual e constante, pelo menos até 2016, e tive inclusive uma medalha no campeonato do mundo (em 2011) que destoou um pouco naquela altura, porque ainda não tinha tido um reconhecimento como esse, mas depois disso os resultados não foram assim tão bons. Só em 2014 é que voltei a ter um grande título, a Medalha de Ouro no Campeonato de Europa, mas isso também só foi um pequeno percalço, porque em 2012 não tinha garantido a qualificação para os Jogos Olímpicos de Londres. Mas acho que fui tendo um percurso muito constante. Cheguei a sair dos -58kg para a categoria de -68kg e quando voltei, passado um ano, demorei um bocadinho a adaptar-me. Em 2019 voltou a correr tudo bem: Medalha de Bronze no Campeonato do Mundo, várias medalhas em Opens e mesmo em Grand Prix, ainda que sem medalhas, as vezes em que caí foram contra o melhor do mundo ou então perdi por muito pouco. Por isso, o que importa é olhar daqui para a frente

Tu ainda és um atleta jovem, mas contas já com um longo período nesta modalidade. Voltando um pouco ao início da tua carreira, como é que descobriste o taekwondo?

(risos) Não descobri. Os meus pais inscreveram-me num ginásio perto de casa que tinha a modalidade de taekwondo e também kickboxing, mas neste caso a turma já era muito avançada e então só me restava a primeira opção. Não gostei no início, mas como já tinha o mês inteiro pago continuei. Depois as aulas começaram a mudar, vieram os combates e os treinos a bater nas raquetes e aí nasceu o “bichinho” que dura até hoje.

Dois anos depois de iniciares a modalidade, asseguras o teu lugar como campeão nacional, o que também acabou por te qualificar para o Campeonato de Europa de Juniores, onde garantes um 3º. lugar. Foi nesta altura que percebeste que deixaria de ser um hobby para passar a algo mais sério?

Sim, a medalha nacional foi boa, mas podia ser qualquer um a ganhar, mas o Europeu de Juniores já foi diferente. Estavam lá as melhores seleções, fiz combates contra grandes atletas, correu tudo bem e eu adorei aquilo. Foi aí que as coisas ficaram, efetivamente, mais sérias.

A tua carreira profissional, enquanto atleta, teve um crescimento relativamente rápido logo no início, porque, por norma, estas conquistas chegam mais tarde. Sentes isso? O que é que consideras que te permitiu ser logo um dos melhores na tua modalidade?

Eu entrei numa altura em que mudaram de coletes normais, pontuados pelos árbitros, para coletes eletrónicos e a minha fisionomia e o meu estilo de jogo adaptavam-se aos coletes eletrónicos. Soube explorar muito bem isso, consegui fazer a passagem para os coletes eletrónicos e os resultados começaram a aparecer. A Medalha de Prata no Campeonato do Mundo foi, sem dúvida, algo muito surpreendente e só me apercebi disso quando cá cheguei, mas as coisas foram demoradas. Pode não parecer, mas desde o momento em que comecei a competir a nível internacional só tive o meu primeiro pódio passado um ano e meio, portanto ainda foram muitos quintos lugares, muitas quedas à porta das medalhas, muitos combates que ficaram aquém das expectativas. Eu entrei na modalidade aos 13 anos, fui ao Campeonato de Europa aos 15, tendo tido a Medalha de Bronze no Campeonato de Europa de Juniores, sendo que a primeira medalha num Open internacional foi mais tarde.

Imagens retiradas da página de Facebook de Rui Bragança

Quando foste convidado para participar no TEDx, em Guimarães, começavas por dizer que: “O desporto faz bem à saúde, mas o desporto de alto rendimento/alta competição faz tudo menos bem”. Principalmente na tua modalidade, em que os hábitos alimentares e o teu modo de vida vão influenciar diretamente o teu desempenho. De que forma sentes essa exigência? Que cuidados são necessários?

Todos e mais alguns. Controlo tudo aquilo que como e tento dormir sempre, no mínimo, oito horas. Tudo é controlado na minha vida, seja numa viagem ou no dia a dia, porque efetivamente estamos a levar o corpo ao limite diariamente e ou temos cuidados extra ou então não vamos a lado nenhum.

Tens uma dieta muito restrita?

Não é propriamente restrita, mas é muito exigente. Muitas vezes acaba, claro, por ser restrita porque combato na categoria dos -58kg e tendo 1,80m de altura não é muito fácil, mas tirando isso é uma dieta bastante saudável e abrange tudo.

E há tempo para deslizes?

(risos) Há, principalmente se estiver de férias – que serão cerca de dez dias por ano – em que tenho algum tempo para deslizes, mas mesmo assim será sempre tudo controlado, porque sei que se exagerar depois vou sofrer muito mais.

Mas a tua rotina, a nível alimentar, altera-se consoante o calendário de provas?

A minha dieta vai mudando todos os dias, consoante a intensidade dos treinos ou da prova, porque competir nos -63kg (como acontecerá na prova na Turquia) implica uma certa dieta, enquanto que nos -58kg já é diferente. E mesmo na altura das provas, se for duas semanas antes é uma coisa, dois dias antes da prova é outra e no próprio dia é outra, portanto vai sempre mudando.

Ao longo do teu percurso, tiveste momentos muito bons, mas alguns menos bons, nomeadamente lesões que te fizeram até ponderar passar para a categoria dos -68kg (o que acabou por não ser definitivo).  Acredito que são momentos frustrantes para qualquer atleta, mas como é que lidas com estas limitações? 

A palavra certa é mesmo essa: frustrante. É tentar encontrar respostas ou soluções onde elas parece que não existem, é bater mil vezes na porta errada até chegar a uma certa, é treinar todos os dias e não estar no nível que queremos, é ficar muito pior depois de ir à fisioterapia…muitas vezes é ter de piorar para depois encontrar algo que funcione. E isso acaba por ser muito frustrante.

Isso começou a afetar-te também a nível emocional ou conseguiste manter o foco?

Consegui manter o foco e nunca pensei em desistir, mas claro que era frustrante tentar fazer as coisas e não perceber o porquê de estarem erradas. Mas, à medida que fomos experimentando coisas novas e também termos adaptado algumas alterações que eram necessárias, a decisão final ficou para o Open de Paris, onde ganhei frente a um atleta que já tinha sido por três vezes campeão da Europa. Foi aí que percebi que estava bem na categoria dos -58kg e que tinham sido apenas alguns percalços.

Paralelamente a uma carreira profissional enquanto atleta, entras para o curso de Medicina e vais até ao fim. A minha dúvida é, em primeiro lugar, porquê Medicina?

(risos) Primeiro, a questão não é “porquê Medicina?”, mas antes: porquê a Universidade do Minho? Queria mesmo poder continuar a treinar com os meus colegas e o meu treinador. Na altura, gostava muito da área de investigação, fui ver os cursos disponíveis na Universidade e pensei: o curso de Medicina é o que tem a média mais alta, portanto se não gostar do curso é mais fácil mudar para outro com a média mais baixa, sendo que o contrário pode não ser possível. Como sabia que Medicina teria sempre investigação foi um pouco um tiro às escuras. Acabei por gostar muito mais da parte clínica do curso, que acaba por ter sempre investigação também.

Como é que conseguiste conciliar um curso que é tão exigente com uma modalidade que também exige muito de ti e do teu tempo?

Foi preciso sacrificar muita coisa, embora nunca tenha sacrificado horas de sono, mas o convívio com a família, amigos, namorada…esse tempo acabou por desaparecer um pouco. Sabia que tinha de ser muito eficaz e adquiri algumas técnicas para conseguir estudar eficazmente. Enquanto os meus colegas tinham de estar completamente isolados a estudar, eu andava sempre com fones e tinha sempre a matéria comigo, fosse num livro, tablet ou telemóvel. Conseguia estudar tudo o que precisava em menos tempo do que era normal. Vou começar o ano comum em setembro e para o ano faço o exame. No caso da especialidade, Medicina Desportiva seria algo que ira gostar bastante, no entanto só há uma vaga por ano e, portante, é necessário ter uma nota muito alta no exame. Mas uma coisa de cada vez, sei que o ano depois dos Jogos é um ano em que o calendário competitivo permite fazer o ano comum e é possível estar a trabalhar 40 horas por semana e ir a sete ou oito competições, mantendo-me no topo mundial e mantendo a qualidade de treino.

Mencionas várias vezes que não vais competir nesta modalidade aos 40 anos, porque a carreira de atleta termina muito rápido. Isto, de certa forma, assusta-te ou faz-te aproveitar tudo intensamente enquanto podes?

Eu sei que este é o tempo que tenho, por isso estou a aproveitá-lo bem, mas também não estou a tentar aproveitar tudo ao máximo, porque isso só vai trazer mais ansiedade. Sei que isto só vai durar até aos meus 32, 33 ou 34, se tudo correr bem, mas pode correr tudo mal e acabar tudo amanhã. Esta modalidade exige muita flexibilidade e também com a mudança para os coletes eletrónicos e com as regras sempre a mudarem é difícil, porque, por exemplo, antes um atleta de 36 anos que passasse para a categoria de pesados, mesmo não tendo altura suficiente, se tivesse outras características poderia dar-se bem. Neste momento, essas características passam sempre pela flexibilidade, força, relação altura-peso…Eu, aos 36 anos, se calhar não vou conseguir ter 58kg, enquanto que com os coletes antigos eu poderia ter 80kg e estar a combater normalmente com outros atletas, mas neste momento isso não seria possível.

A Medicina surge, então, como um plano pós-carreira de atleta? É o que tu queres fazer quando deixares a modalidade?

Exatamente. Eu sempre quis ter um plano B, embora na altura eu ainda não sabia ao certo a área, pensava que seria investigação, mas tinha de ter sempre um segundo plano. Daqui a uns tempos vai mesmo ser o plano A, não sei por quanto tempo, mas será este, sem dúvida.

Presumo que a presença em Tóquio seja um grande objetivo, mas, numa perspetiva geral, quais são os teus planos para este ano? O que é que ainda falta conquistar?

Para este ano os objetivos principais são dois: chegar a Tóquio e começar o ano comum. Planos para depois: nunca fui campeão do mundo, nunca fui três vezes campeão de europa…ainda há tanta coisa para conquistar. (risos) Mais vale ter sempre objetivos a curto prazo.