Catarina Lopes: “Ouvir o nosso corpo e perceber o que é que ele está a transmitir”

Catarina Lopes é nutricionista, mas encara a sua profissão com uma devoção tão grande ao ponto de ser muito mais do que um trabalho diário. É uma paixão de vida e um culminar de tudo aquilo que lhe dá mais prazer: a alimentação saudável, a saúde e o equilíbrio – acrescentando o papel de ajuda e de acompanhamento numa mudança positiva na vida de alguém.

Com uma energia cativante e um currículo extraordinário, a nutricionista procura transmitir a informação certa, de uma forma direta e coerente, para que quem a acompanha possa também adotar hábitos mais saudáveis. Diariamente, partilha as suas rotinas de alimentação e de prática desportiva, enquanto suscita o interesse para questões relacionadas com diversos temas que envolvem a nutrição, aproveitando para esclarecer e simplificar muitos dos mitos criados em torno da alimentação.

Em entrevista para a U-FIT, a nutricionista fala-nos do quão é importante sabermos ouvir o nosso corpo, respeitarmos o nosso bem-estar e procurarmos o equilíbrio, todos os dias da nossa vida.

Fotografias retiradas da página de Instagram de Catarina Lopes

Gostávamos de começar por conhecer o percurso da Catarina no mundo da nutrição. Sempre foi uma área que lhe despertou muito interesse?

Sempre fui boa aluna e sabia que queria seguir a área da saúde. Pensei em várias coisas, desde a psicologia à medicina, entre outras, mas nunca senti que tivesse aptidão para determinada área – até escolher a nutrição. Sabia que tinha aptidão para comunicar com as pessoas, tinha muita vontade de ajudar (quando era miúda fazia voluntariado e mais tarde com idosos, em geriatria), portanto teria de ser algo em que eu pudesse ajudar outras pessoas. A nutrição apareceu quando eu tinha 18 anos, numa altura em que tive a chamada doença do beijo (uma mononucleose), o que me obrigou a ficar em casa durante o último semestre da escola. Com esta doença, tinha muita dificuldade em comer e a minha mãe começou a pesquisar quais eram os melhores alimentos, começando a estudar também a consistência dos mesmos, porque tive alturas em que só conseguia ingerir líquidos. Já no final da doença, a minha mãe questionou-me: “Temos andado a estudar tanto sobre alimentação, porque não seres nutricionista?”

Entretanto, concorri e entrei no curso. Nunca me senti super apaixonada pela nutrição, até ao terceiro ano do curso. Fui de Erasmus e comecei a ganhar o “bichinho”, passei a estudar e a ler muito mais e, no último ano do curso, quando fui estagiar para o Brasil, comecei a perceber mais sobre a nutrição funcional, a saúde, a prevenção e de que forma se trabalha tudo isto. Foi a partir daí que começou este sonho e esta paixão que eu tento sempre transmitir aos meus pacientes, aos meus familiares e a todos à minha volta. Costumo dizer: “Se não precisasse de dinheiro para viver, seria nutricionista de graça”.

O que é que lhe desperta mais interesse nesta área?

Uma das coisas que eu mais gosto de fazer passa por desmitificar determinados mitos que as pessoas criaram à volta da nutrição e também criar um equilíbrio. Passamos de um oito, em que ninguém falava de nutrição, para um 80, em que toda a gente comenta, toda a gente conta calorias ou o que come. De repente, as nossas funções diárias (como comer, beber ou dormir) tornaram-se num drama e trouxeram muitos outros problemas. Muitos dos problemas que me aparecem em consulta resultam do foro alimentar e mental.

Hoje em dia, deparámo-nos com muita desinformação relativamente a vários temas que envolvem a nutrição, principalmente nas redes sociais. Falo de temas como jejum intermitente, por exemplo. Concorda que é cada vez mais importante que as pessoas apostem num acompanhamento profissional?

A questão nem é tanto em torno da desinformação, mas, se por exemplo, uma pessoa lê um artigo ou ouve alguém a dizer que faz jejum intermitente e que é antioxidante e anti-inflamatório, entre outras coisas, é importante que as pessoas saibam que se trata de uma estratégia que pode não ser para toda a gente. Uma pessoa pode ter problemas, precisamente, por fazer jejum intermitente. Apesar de termos todos funções parecidas, enquanto seres humanos, a nossa função interna é cada vez mais diferente. Isso faz com que, aquilo que se lê nas redes sociais, traga depois vários problemas.

O que eu tento transmitir é precisamente isto: temos de nos sentir bem, temos de nos respeitar e perceber que todos temos as nossas limitações.

E isso leva a que as pessoas não procurem a ajuda de um profissional que saiba indicar-lhe o que é melhor para si. Investir em saúde deve ser, cada vez mais, uma prioridade?

Nunca fomos um país rico, então é normal que nos custe pagar determinadas áreas. Por exemplo, eu posso querer fazer de tudo para ganhar mais, mas não vou à procura de ajuda de um profissional da área da economia ou, por outro lado, vou trabalhar o meu marketing sozinha, ao invés de contratar uma pessoa para o fazer. O problema é que, hoje em dia, as pessoas tentam aprender no Google, em vez de procurarem um profissional que realmente é apto para ler o que é que essa pessoa precisa e ajudá-la nesse sentido. Acho que as pessoas deixam passar muito tempo até procurarem um profissional. Trata-se de uma área muito individualizada: uma pessoa com uma doença X não irá ter o mesmo plano que uma pessoa com uma doença Y. Claro que há coisas que todos sabemos, tais como comer mais verduras ou mais fruta…mas, se calhar, se eu tiver um problema de Diabetes comer mais fruta não é o mais adequado para mim.

Cada profissional da área da nutrição tende a seguir uma filosofia que é, para si, a mais correta. Neste sentido, a Catarina também privilegia uma determinada filosofia?

Eu tenho uma opinião muito pessoal em relação a isso. Percebo que cada profissional tenha um segmento, uma linha condutora, mas, para mim, enquanto profissionais de saúde, acredito que devemos ter sempre a saúde como base. Independentemente do objetivo da pessoa ou da dificuldade que essa mesma pessoa terá para atingir os seus objetivos, o que importa é a saúde, o equilíbrio. É uma homeostasia entre tudo o que envolve essa pessoa: o trabalho, o exercício, a alimentação, o sono ou a sua a saúde mental. Não considero que tenha uma certa filosofia, porque acho que deve existir uma filosofia comum a todos os profissionais da área, que assente em dois fatores: a prevenção da doença e a saúde.

E todos estes pilares fundamentais – o equilíbrio, a alimentação, o bem-estar – são também importantes para a Catarina?

Eu costumo dizer: “Santos de casa não fazem milagres”. O meu namorado chama-me até workaholic, porque estou sempre a trabalhar e tenho muita dificuldade em desligar o botão. O que eu tento fazer diariamente é manter um equilíbrio. Sei que tenho de dormir sempre entre sete a oito horas, assim como um outro ponto que é também muito importante para mim: a meditação e o facto de eu estar bem comigo. Acredito que é algo que eu devo aos pacientes, porque se eu própria me sentir bem vou transmitir a mensagem muito melhor. Também a alimentação é muito importante e sou até um bocado exigente com a alimentação em casa. Enquanto que com os meus pacientes sou mais liberal, em casa não consigo, porque tenho noção das doenças que determinados alimentos causam. É tudo uma questão de equilíbrio.

É este gosto pela saúde e pela alimentação saudável que estimula uma vontade em informar e motivar também outras pessoas?

Exatamente. Nunca tento transmitir que a vida é perfeita, porque não é, assim como a minha alimentação que também não é sempre a melhor. O que eu tento transmitir é precisamente isto: temos de nos sentir bem, temos de nos respeitar e perceber que todos temos as nossas limitações. Claro que há alturas em que estamos mais animados e conseguimos manter uma rotina mais restrita ou algo mais organizado, mas também temos momentos da nossa vida em que isso não acontece. Estamos a passar uma fase em que não conseguimos organizar muito a nossa vida para o futuro, porque não sabemos como é que serão as coisas. Com a alimentação é a mesma coisa, precisamos de ter calma, havemos de chegar aos nossos objetivos, mas temos de respeitar o caminho. Ouvir o nosso corpo e perceber o que é que ele está a transmitir.

A prática de meditação auxilia também a conseguir atingir este equilíbrio que tanto procura?

Eu já conheço a meditação há muito tempo, aliás, sempre fui muito ligada às medicinas alternativas. Acredito que a meditação é das poucas coisas em que a pessoa sente uma evolução maior. A forma com meditava antigamente não tem nada a ver com a forma como eu medito agora e posso dizer que consigo fazê-lo de uma forma ainda mais profunda. Não há ninguém que não tenha momentos de ansiedade e, às vezes, o que precisamos é de abrandar. Ouvir o que vai na nossa cabeça e saber gerir os nossos pensamentos, em vez de entrar em pânico com tudo o que nos rodeia. Acho que isso se vai conseguindo com a maturidade. Ter maturidade, meditar e aprender a gerir tudo isto vai permitir-nos viver melhor. A mulher está cada vez mais distante da imagem que tem e cada vez mais frustrada com essa mesma imagem e isso não é nada positivo, porque vamos viver com o nosso corpo para sempre. Eu penso muito nisto: só temos um meio para estar na terra, que é o nosso corpo, e se não tratarmos bem dele não teremos outra forma de estar aqui. A meditação ajuda muito nesse processo.

É nas redes sociais onde a Catarina partilha diariamente um pouco da sua rotina, tanto de alimentação como prática desportiva. Procura fazê-lo para também motivar quem a segue?

O objetivo é exatamente esse: transmitir motivação para que as pessoas possam manter uma vida mais saudável, mas também para perceberem que é ok fazerem e é igualmente ok não o fazerem ou fazerem um bocadinho menos. O que interessa é uma pessoa movimentar-se e comer bem, de uma forma geral. É isso que eu procuro passar através das minhas redes sociais. Claro que mudar hábitos é algo muito difícil e uma das maiores dificuldades pelas quais passamos é o facto de as pessoas estarem neste ritmo que a sociedade nos impõem, acabando por preferir continuar assim a estar a organizar tudo de novo.

Paralelamente às consultas de nutrição, a Catarina organiza vários showcookings, workshops e cursos de nutrição. Pode falar-nos um pouco destas iniciativas e da importância que estes projetos têm para a Catarina?

Neste momento está tudo em stand by, mas, quando tinha mais tempo, fazia vários workshops temáticos – Natal, Páscoa, entre outros – nos quais o objetivo passava por recriar os doces tradicionais portugueses para versões mais saudáveis. Também já dei workshops a empresas e qualquer gestor que trabalhe esta questão da alimentação saudável no trabalho é muito inteligente, porque com colaboradores mais saudáveis, terá menos quebras e baixas na produtividade. É muito interessante ver as pessoas a perceberem que a saúde é deveras importante no trabalho.

Sendo a Catarina uma pessoa que procura estudar muito e manter-se constantemente informada, para também inovar a cada dia, que projetos gostaria de ainda desenvolver, futuramente? Escrever um livro, por exemplo, está nos planos?

Neste momento, estou muito focada nas minhas consultas e a procurar muita informação. Gostava de um dia vir a ter uma clínica minha, quem sabe uma loja também. Tenho muitas propostas para escrever um livro, a questão é que eu acho que o mercado já se encontra muito sobrecarregado de livros de nutrição e acho que não iria acrescentar grande coisa. Tinha de ser algo que valesse mesmo a pena. Já pensei escrever algo mais simples, para que qualquer pessoa pudesse retirar algumas dicas para acompanhar no dia a dia, mas, honestamente, não me compensa, porque teria de dedicar muito do meu tempo e não tenho essa disponibilidade. Era algo que gostava muito de fazer, por isso, quem sabe, mais tarde pode acontecer.